quinta-feira, 5 de julho de 2018

SUS MUNICIPAL: DESAFIOS DA REGULAMENTAÇÃO

Regulamentar o direito à saúde no município é uma obrigação dos gestores públicos e somente com a participação efetiva da população no controle social das políticas públicas do SUS os governantes passarão a cumprir a Lei.

A experiência no controle social possibilita ao movimento cidade nossa compartilhar com a sociedade algumas características do sistema de saúde municipal e elencar os desafios identificados que dificultam o processo de regulamentação do direito à saúde no município de Cândido Sales e região.
Compreender os desafios e refletir criticamente para superá-los é a maneira mais adequada de garantir o direito à saúde.

1. Legislação brasileira

Os constituintes reconheceram o direito à saúde como fundamental, e o tema é tratado na Constituição Federal no seu Título III Da Ordem Social, Capítulo II, Seção II Da Saúde, onde fica estabelecido que assegurar a saúde aos brasileiros é um dever do Estado (Municípios, Estados e União), e também um dever de cada pessoa, família e organização, lucrativa ou não que respeite os fundamentos desta clausula pétrea.

A Constituição de 1988 também estabelece que a prestação do serviço à população deva ocorrer de maneira organizada e sem interrupção, através de um sistema único de saúde, e em seu Artigo. 198 estabelece que este sistema deva funcionar de modo descentralizado, garantindo a integralidade do atendimento à saúde e a participação da comunidade na sua gestão.

Posteriormente, em 1990 esse Direito Constitucional foi regulamentado através da Lei 8.080 de 19 de Setembro, conhecida como a Lei Orgânica da Saúde, essa lei dispõem sobre a garantia do que é estabelecido pela Constituição e orienta os entes federados quanto à implementação dos elementos que compõem o Sistema Único de Saúde – SUS.

A Lei visa assegurar o que estabelece o Artigo 198 da Constituição no âmbito dos municípios, Estados e do Distrito Federal, no intuído de garantir a promoção, proteção e recuperação da saúde do cidadão brasileiro. A Lei também estabelece os parâmetros para a organização e funcionamento dos serviços de saúde pública em todo Território Nacional.

Já a Lei n.º 8.142/90 estabelece em seu Art. 1º que a participação da comunidade é critério fundamental, inclusive, para que ocorram as transferências intergovernamentais, esse mesmo Artigo estabelece a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde como espaços fundamentais para a participação da comunidade

Além de se adequar aos fundamentos da legislação vigente, os municípios devem possuir um Plano Municipal de Saúde e lançar mão de Relatórios de Gestão que os ajude na condução e controle das ações em saúde. Tal planejamento, inclusive, é requisito para que a cidade receba recursos para o setor, como estabelece o Art. 4º da Lei 8.142.

2. Decreto 7.508 de 2011  

Criado para regulamentar a Lei Federal N.º 8.080/1990, Lei Orgânica da Saúde, o decreto disciplina sobre a criação das regiões de saúde e definição dos mapas de saúde a partir do Plano Municipal de Saúde. Os mapas sevem de referência no processo de planejamento integrado.

As regiões de saúde são constituídas por municípios próximos e com características socioeconômicas e perfis epidemiológicos semelhantes e objetivam preparar o território para atender a maior parte das necessidades dos usuários do SUS, através de serviços hierarquizados sempre a partir do município.

O decreto também estabelece as Comissões Intergestores como espaços de participação e governança entre o município, estado e união. Tem o Contrato Organizativo de Ação Pública como mecanismo institucional para desenvolver a promoção, vigilância e assistência em saúde além da assistência farmacêutica, estabelecendo verdadeiro pacto pela saúde na região.

Ainda na perspectiva do pacto pela saúde nas regiões, o Decreto 7.508/11 estabelece o RANASE e RENAME como instrumentos de acesso à informação para os usuários do SUS nas buscas sobre serviços e medicamentos disponíveis na região de saúde do seu município.

O contrato organizativo de ação pública mais o sistema de governança definido pelas Comissões Intergestores: CIT, CIB e CIR e sistemas de informação disponibilizados pelo SUS garantem o estabelecimento do pacto pela saúde com base na realidade regional e subsidiam a gestão pública na aplicação dos recursos, além disso, facilita para os órgãos de avaliação, dando transparência e segurança ao controle social.

O Plano Municipal de Saúde – PMS é reconhecido como instrumento fundamental na definição das regiões de saúde no Território Nacional, pois estabelece diretrizes, objetivos e metas, que são definidos através do perfil de saúde do município. O plano deve ser aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde – CMS e posteriormente pela Câmara de Vereadores os investimentos no setor precisam constar nas Leis Orçamentárias do período.

Além do PMS outros instrumentos formais de planejamento são igualmente importantes: a Programação Anual de Saúde – PAS e o Relatório Anual de Saúde – RAS, tais instrumentos possibilitam o monitoramento, avaliação e controle dos serviços de saúde prestados pelo município.

3. Controle Social e Participação Popular

A fraca participação da população no controle social das políticas públicas de saúde ainda é um dos maiores desafios no processo de regulamentação do SUS na região. Além das reuniões ordinárias do Conselho Municipal de Saúde – CMS são realizadas, periodicamente, Conferências e Audiências Públicas onde gestores, trabalhadores e usuários dos serviços deveriam avaliar e buscar o aperfeiçoamento das políticas públicas de saúde.

O Conselho Municipal de Saúde - CMS do município de Cândido Sales, por exemplo, é composto de 12 membros titulares, no entanto, pouco mais de 60% comparecem às reuniões ordinárias que acontecem uma vez por mês. Os conselheiros reclamam por mais estrutura e capacitação para que possam realizar o controle social efetivo.

A ausência de representantes do interior do município é outra característica do CMS – Cândido Sales, aspecto que dificulta a distribuição equânime dos recursos da saúde no Território Municipal. Também existe o desinteresse de entidades da sociedade civil que ocupam vaga no conselho e não participam das reuniões ordinárias e nem das atividades do controle social. 

Os conselheiros municipais precisam compreender a legislação que regula o direito à saúde no Brasil para exercerem o controle social de maneira autônoma e correta. O não conhecimento desses dispositivos legais da parte dos membros do CMS aumenta o desafio de regulamentar o direito, sendo necessária a permanente capacitação dos membros do conselho.

A falta de informações estruturadas dificulta o acompanhamento das ações em saúde pública no município. Embora o recurso exista e seja repassado com regularidade, a população e nem mesmo os conselheiros municipais conseguem monitorar a aplicação de maneira racional e transparente. 

De 2015 a 2017 o município de Cândido Sales realizou a conferência municipal de saúde, conferência sobre saúde da mulher e a reunião ampliada sobre vigilância em saúde. Em todos esses encontros a participação da população não foi considerada expressiva, no entanto, representaram importantes oportunidades para a discussão e apresentação de propostas.

Foi através das conferências municipais de saúde que importantes propostas foram aprovadas e vários encaminhamentos foram feitos junto ao Ministério Público e ao Governo Municipal. Os encontros também subsidiaram os profissionais da saúde no processo de elaboração do Plano Municipal. Fortalecer a participação popular no controle social é uma maneira de garantir a regulamentação do direito à saúde.

4. O Papel dos Vereadores  

A Câmara Municipal tem a função de legislar e de exercer o controle externo do Executivo Municipal, o vereador deve acompanhar e fiscalizar a execução da burocracia estatal e as ações da prefeitura. Também exerce o Controle Parlamentar, que consiste em acompanhar a implementação das decisões no âmbito do governo e da administração.

O perfil das atuais Câmaras Municipais de Vereadores do Território de Vitória da Conquista deve ser considerado elemento que dificulta a regulamentação da legislação do SUS na região, pois os representantes eleitos não conseguem cumprir o papel para o qual foram designados pela população.

O assistencialismo como prática política e a compra de votos como critério de definição eleitoral acaba levando ao cargo público cidadãos que não possuem conhecimento mínimo para exercer com proficiência a atividade parlamentar, pois, geralmente, desconhecem os fundamentos do Estado de direito e não se informam acerca das Leis Orgânicas as quais o município está submetido.

A ausência de câmaras municipais atuantes, que compreendam e façam cumprir os dispositivos legais das políticas públicas de saúde nos municípios da região impede o avanço da regulamentação do direito como determina o Decreto 7.508 de 2011 e a Lei Orgânica da Saúde – LOS, Lei Federal N.º 8.080 de1990.

Os vereadores do município de Cândido Sales, por exemplo, demonstram não compreender o significado da regulamentação do SUS no Município e, em muitas situações, encaram a prestação dos serviços públicos de saúde como gesto de “caridade”, e não se orientam através dos instrumentos formais de planejamento para realizar o controle e a fiscalização determinados por lei.

Nos espaços de conferências e audiências públicas, é rara a presença dos vereadores e, quando acontece, geralmente, se limita à mesa de abertura. O resultado é que os representantes do povo não acolhem as orientações técnicas, sugestões e propostas aprovadas nesses fóruns legais.

Desse modo, o vereador acaba não exercendo a fiscalização tão necessária para a garantia do direito à saúde no município e o resultado é que prazos importantes são perdidos pela gestão, medidas e ações são procrastinadas e os problemas da cidade se acumulam impedindo a regulamentação do SUS e condenando a população à falta de boas perspectivas.

5. Gestão Municipal

Garantir a saúde dos munícipes é dever da gestão municipal, esta deve ser capaz de articular-se com os vários setores da sociedade para viabilizar através das pactuações, a melhoria contínua da saúde, inclusive, o gestor deve redobrar esforços para criar fatores que conduzam o município a uma política integral de saúde como estabelece o Decreto 7.508/11 que regulamenta a Lei Orgânica da Saúde – LOS.

O município precisa implementar, no tempo certo, os instrumentos formais de planejamento do SUS: Plano Municipal de Saúde – PMS, Programação Anual de Saúde – PAS e o Relatório Anual de Saúde – RAS. O plano precisa estar alinhado com o planejamento orçamentário do município.

Em Cândido Sales até 2015, ano da VI Conferência Municipal de Saúde o plano municipal e os demais instrumentos de gestão do SUS não eram elaborados com base na participação da população, como determina a lei e, somente no final do 1º semestre de 2018, 03 (três) anos após a conferência, o Conselho Municipal de Saúde – CMS aprovou o plano municipal.

A gestão (2017-2020) atrasou em 12 (doze) meses a elaboração e aprovação do Plano Municipal de Saúde – PMS, o que provocou um descompasso entre o PMS e a Leis Orçamentárias do Município: PPA, LDO e LOA. Essa característica da gestão na maioria dos municípios do território impede que o direito à saúde seja regulamentado e que a região e o mapa da saúde sejam definidos como determina a lei.   

Com base do Decreto 7.508/11 os planos municipais são essenciais para a definição da rede de serviços e procedimentos com base no perfil de cada município, à medida que o poder público procrastina e não implementa os instrumentos de gestão do SUS nos municípios, não se define o mapa impossibilitando o planejamento integrado da região.

O Plano Municipal de Saúde – PMS é elaborado a partir do Perfil Municipal e das contribuições do controle social e da participação popular. Grupo populacional por faixa etária, expectativa de vida da população, informações sobre emprego e renda e Índice de Desenvolvimento Humano – IDH são algumas das informações básicas do perfil de um município.

Também é levantado o perfil epidemiológico do município com as causas de adoecimento da população, hospitalizações e seus principais motivos, dados sobre HIV/AIDS, hanseníase, sífilis, arboviroses e doenças crônicas. Após compreender o perfil do município cabe ao gestor aplicar os instrumentos formais de planejamento do SUS para que seja possível monitorar, avaliar e controlar as ações de superação dos desafios identificados.

A maneira como os municípios conduzem as políticas públicas de saúde na região, ainda distancia muito do que propõe a legislação nacional, principalmente no que diz respeito ao acesso à informação pública que, geralmente não está na linguagem e no formato mais adequado para a compreensão do controle social e da sociedade de modo geral.

Outro aspecto importante, e que a gestão não costuma levar em conta, é a realização do lançamento de dados nos sistemas de informação do SUS vinculados ao município no tempo certo, o que evitaria prejuízos irreparáveis aos usuários e trabalhadores do SUS no município, pois a alimentação desses bancos de dados é que define ações e investimentos de outras esferas.

A criação da Ouvidoria do SUS Municipal, também é responsabilidade da gestão municipal. Ou seja, sendo o município o lugar onde vivem os brasileiros, cabe ao gestor elaborar a estratégia de promoção da saúde, também, é da responsabilidade do gestor municipal desenvolver política de vigilância em saúde, aprimorando competências municipais em saúde e utilizando métodos como identificação e busca ativa.

6. Ministério Público

Guardião da Constituição Federal o Ministério Público é um importante ator no processo de regulamentação do direito à saúde no município, cabe ao MP defender direitos individuais e coletivos do cidadão, podendo tomar a iniciativa diante da demanda existente ou ser provocado pela parte interessada.

Em realidades onde os agentes públicos eleitos falham na execução e aplicação da legislação sobre saúde, o Ministério Público é parceiro importante no processo de garantir que se cumpra o que a Lei determina.

O MPE da Bahia exerce papel importante no processo de regulamentação do direito à saúde na região de Vitória da Conquista, mesmo com o número insuficiente de defensores públicos na comarca.

A maioria dos municípios da região tem a presença do promotor de justiça substituto ao menos uma vez por semana, por cerca de 4h, mesmo com o acumulo de processos, o representante do MPE acolhe as medidas que julga cabíveis no que diz respeito ao direito à saúde.

Devido à desestruturação dos serviços do SUS nos municípios, a peregrinação das pessoas ao MPE ocorre com frequência na perspectiva de ter os seus direitos básicos assegurados. Nesse sentido, a regulamentação do direito à saúde no município com base no Decreto 7.508/11 é também uma maneira de interromper a intensa judicialização da saúde.

Desse modo, a presença de mais defensores públicos titulares na região pode representar uma maior possibilidade da regulamentação do SUS no âmbito dos municípios, possibilitando a criação de redes de atenção que contemplem os perfis municipais, minimizando o sofrimento das pessoas que dependem dos serviços públicos de saúde.

7. Considerações

Durante a experiência do controle social o que ficou evidente é que o maior impedimento no processo de regulamentação do direito na região, é a qualidade dos agentes públicos que, propositalmente, exercem uma gestão desleixada e descomprometida com resultados para a população.

Escolher representantes que sejam capazes de implementar os dispositivos legais nos municípios da região é a atitude mais correta do cidadão que almeja ter uma vida digna na cidade a partir das duas decisões na democracia. Não vender o voto, não abrir mão da própria consciência por conta de um interesse de curtíssimo prazo, também são atitudes que a população precisa ter, para que possamos regulamentar o direito à saúde.

Outro aspecto urgente é a necessidade de a população reconhecer a sua obrigação de participar da construção das políticas públicas, ou seja, sem a participação efetiva da sociedade os aspectos que impedem o avanço da regulamentação do SUS no município irá persistir e abriremos mão de mudar a realidade do nosso Território Municipal.

Saúde é um direito e o gestor tem a obrigação de assegurá-lo ao munícipe, no entanto, a participação das pessoas no controle social da política pública é a maneira mais adequada de regulamentar os dispositivos que materializam o direito à saúde no município. Não nasce pronto, é preciso esforço e construção coletiva, o governo precisa cumprir prazos e obrigações legais. Sem o acompanhamento da população os maus gestores preferem não cumprir a lei.

Desse modo, é possível concluir que com a participação e o efetivo controle social da população será possível regulamentar o SUS. O direito à saúde, desde os tempos da redemocratização até hoje é consequência de luta permanente da coletividade.

Um comentário:

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